Não faças versos sobre acontecimentos…


Analisar poesias é algo que me apraz. Não que eu saiba, mas em anos de estudo aprendi um pouco a reconhecer certas nuances em poemas. Aprendi também que um poeta é capaz de fazer com que as piores barbaridades tomem forma de arte ao retratá-las com as palavras certas. Hoje disse despretensiosamente no Twitter que “tinha dúvidas” se era possível escrever poesia sobre qualquer coisa. Depois, no entanto, de ler Alphonsus de Guimaraens minha resposta estava mais que dada. Vejam só o que ele faz no poema Ismália:

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

Poesia tem um quê de loucura , eu concordo. E loucura é “um sentimento” às vezes. Ismália, por exemplo, enlouquece. Seu pensamento divide-se entre o céu e a terra.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

A lua, na poesia, tem significações mil. No caso de Ismália, mais uma vez, remete aos devaneios. Dividida entre o paraíso (céu) e o inferno (terra), põe-se a sonhar.

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

Uma característica de quem perde a razão é começar a gritar. Vejam só no Twitter ou nos blogs. Quando alguém perde a razão, a argumentação, o senso, começam as calúnias, a gritaria sem sentido…

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

Entregando os pontos, pendida no parapeito da torre, dividida entre o céu e o inferno…

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

Acabou, fim,  último suspiro,  decesso, defunção, desaparecimento, exício, falecimento, finamento, libitina, óbito, parca, passamento, perecimento, trânsito. Ismália salta para a morte, fim da loucura. O corpo agora, afundado no mar vê a alma em direção ao céu.

P.s.: É como tirar leite de pedra… um poema que retrata justamente o momento em que uma moça se joga do alto de uma torre em direção ao mar. Certa da morte, esta não lhe assusta, pois é sinônimo de libertação.


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