Muito se tem escrito a respeito de linguagem. Recentemente dois amigos blogueiros falaram a respeito dos erros, da necessidade de se escrever corretamente nos blogs… A discussão é pertinente mesmo, mas penso que escrever certo ou errado muitas vezes passa pelo aspecto da variante linguística escolhida. Mais ainda, escrever é uma forma de socializar. Seja o conhecimento, sejam as relações, a linguagem nos aproxima na maioria das vezes, mas, como afirmarei mais adiante, pode também nos afastar.
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
(...)
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
"Trouxeste a chave?"
Carlos Drummond de Andrade
Gosto da maneira como Drummond fala a respeito das palavras. Segundo ele, as palavras com sua riqueza semântica, morfológica e sintática constituem um reino e, como todo rei, governam a vida das pessoas determinando o sucesso ou não em suas relações pessoais e interpessoais. Além disso, ninguém adentra esse castelo fazendo algazarra e sem estar munido de certo preparo.
O primeiro artifício preparatório dos seres humanos é a socialização e para que esta ocorra é necessário à criança perceber que o mundo ao seu redor não é extensão de seu corpo e que este corpo é mais dos que permeiam a realidade. Assim, acumula-se um conhecimento do que são e para que servem as coisas, quais delas são agradáveis ou significam perigo.
Com o tempo, desenvolve-se a fala e são associados símbolos e significantes para aquilo que foi aprendido para que a pessoa possa se fazer entender. Sem que haja percepção do fato, a realidade vai sendo tomada por representações: se alguém fala “gato”, por exemplo, o som das palavras não mia ou ronrona, mas logo é associado a uma imagem, já que tanto o falante quanto seu interlocutor já detêm certo conhecimento do mundo que os circunda e a mensagem é transmitida com êxito.
À medida que o indivíduo torna-se consciente da efetividade de sua linguagem esta passa a ser passível de ganhar uma outra finalidade diferente da de comunicar, transmitir ideias e ligar as pessoas podendo, assim, ser selecionada e manipulada de acordo com os interesses ou valores do emissor. Isso quer dizer que a linguagem também pode ser um modo de exclusão contra quem está à margem dos “filtros” e estereótipos culturais.
Por fim, o domínio linguístico é moldado por “óculos" sociais”, sendo resultante da interação do ser humano com tudo que o cerca. Cada uma das palavras está fechada por um cadeado e ao longo da vida geralmente aprende-se a destrancá-lo. E como perguntaria Drummond: “Trouxeste a chave?”
P.s.: certamente algum leitor que conhece meus blogs diria que este post ficaria melhor no “Análise de Textos”, mas…
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