Usa o que é meu e reclama?


Noutro dia tive uma conversa rápida com o Rubem Alves. Na verdade, eu estava na sala dos professores quando ele entrou amparado por uma divulgadora de livros. Não trocamos nenhuma palavra inicialmente, mas fomos formalmente apresentados. Quando achei que ele sairia sem falar nada comigo, desandou a falar. E disse:

“Sou feliz pelos amigos que tenho. Um deles muito sofre pelo meu descuido com o vernáculo. Por alguns anos ele, sistematicamente, me enviava missivas eruditas com precisas informações sobre as regras da gramática, que eu não respeitava, e sobre a grafia correta dos vocábulos, que eu ignorava. Fi-lo sofrer pelo uso errado que fiz de uma palavra no último "Quarto de Badulaques". Acontece que eu, acostumado a conversar com a gente das Minas Gerais, falei em "varreção" — do verbo "varrer". De fato, tratava-se de um equívoco que, num vestibular, poderia me valer uma reprovação. Pois o meu amigo, paladino da língua portuguesa, se deu ao trabalho de fazer um xerox da página 827 do dicionário (...). 0 certo é "varrição" e não"varreção". Mas estou com medo de que os mineiros da roça façam troça de mim, porque nunca os ouvi falar de "varrição". E, se eles rirem de mim, não vai me adiantar mostrar-lhes o xerox da página do dicionário (...). Porque, para eles, não é o dicionário que faz a língua. É o povo. E o povo, lá nas montanhas de Minas Gerais, fala "varreção" quando não barreção". O que me deixa triste sobre esse amigo oculto é que nunca tenha dito nada sobre o que eu escrevo, se é bonito ou se é feio. Toma a minha sopa, não diz nada sobre ela, mas reclama sempre que o prato está rachado.”

Após isso, foi embora fazendo-me pensar nos meus amigos e nas afrontas que enfrentamos diariamente.


11 comentários

POuco importa o texto, haieuhoiuehioeh, fiquei mais ligado no seu novo layout, simples mas extremamente de bom gosto, leve e delimitado....

Estou pensando seriamente em adotá-lo ou no ano que vem começar a fazer downloads =D

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Putz! O pior que às vezes eu ajo assim. É uma questão a se pensar, pois na maioria das vezes fazendo isso pensamos que estamos ajudando ao nosso amigo, dando um apoio... Nunca pensei dessa maneira, deixou-me pasmo.

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E o indivíduo, além de não comentar o conteúdo da obra, foi extremamente deselegante!

Boa quinta-feira!

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Richard, eu também não penso muito nisso, ou melhor, não pensava. Uso, muitas vezes, o que encontro nos metablogs por aí, mas nem um comentariozinho eu deixo. Às vezes é pra não cair no lugar comum de simplesmente dizer que a dica foi legal e tal... Acho melhor mudarmos de postura, pois somos pessoas públicas, os metabloggers fazem parte de nosso círculo de amizades (na maioria das vezes) e não acho que fiquem chateados quando veem que nos ajudaram diretamente. Valeu pela visita, amigo. Viu ali no blogroll?

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Nham, nham, nham...

Tomando, aqui, apenas um pouco de sua farta sopa.

Huuuuummm... Estava deliciosa!

[]'s @inaciorolim

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Muito interessante!Realmente, as pessoas sempre estão mais ávidas a criticar do que a elogiar. E isso não só na escrita.Quer ver um exemplo?Uma colega de trabalho chegou um dia e disse:nossa, você está tão gorda que está deformada(exagerooo)e a criatura não é magra e nem se veste bem.Eu fiquei quieta no melhor sentido do "ah é, é..." mas fiquei chateada, óbvio.Bem, depois disso, já emagreci mais de oito quilos por conta da mudança de um remédio anti-depressivo e não pelo seu comentário maldoso. Ela NUNCA me fez um elogio ou se referiu a que estou mais magra, mesmo vendo os outros comentarem na frente dela.Tenho vontade de estrangulá-la, mas conto até dez...Mui amiga!rsrs

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hahah! E eu já estava com #mimimi no Twitter. Ow mania feia a minha!!

abs, profs!

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É Andréa, felizmente, são coisas que podemos aprender.Basta quere, não é?


Jô, vou ficar mal acostumado com seus comentários por aqui... gosto muito. Sei bem o que é ser criticado ao fazer algo errado ou mesmo por fazer da nossa forma. Sei bem o que é ouvir "não fez mais que a obrigação" quando algo saiu perfeito. Sobre sua "amiga", nem sei quem é, nunca vi, mas já não gosto dela.


Richard, #mimimi entre agente é uma coisa natural. O que diferencia o mimimi da crítica é o grau de intimidade entre os envolvidos, eu acho.

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"Toma a minha sopa, não diz nada sobre ela, mas reclama sempre que o prato está rachado."

Lembrou o meu marido... :(

Adoro Rubem Alves!

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Caramba...todos temos pessoas assim, Flor. Duro, mas real. Eu também adoro os textos dele.

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