[LIVRO] "O cão e os caluandas"


"'O cão e os Calús/Caluandas', novela escrita entre os anos de 1978 e 1982, é o testemunho de Pepetela às perceptíveis mudanças da sociedade angolana após sua independência em 1975. A obra é construída como um "puzzle" de narrativas, situações e estilos que reconstrõem as andanças do cão pastor-alemão, Lucarpa, pela cidade de Luanda e entre seus habitantes. O "autor" da novela, outro personagem de Pepetela, reúne sob diversas formas narrativas testemunhos de pessoas que tiveram contato com o cão, protagonista e herói /ou anti-herói dessa estória. A estruturação tempo-espacial fragmentária da obra revela semelhanças com a novela picaresca e cada relato recolhido pelo "autor" tem um registro linguístico diferente ao anterior. Assim, um "ninho" textual através da polifonia é formado abordando, através da sátira social explícita, o "modus vivendi" dos moradores de Luanda, os caluandas ou os calús.
O livro é iniciado com um "Aviso ao Leitor", o qual recebe a data de 2002 e o localiza na cidade de "Calpe". Esses dois dados chamam a atenção do leitor acostumado a ler as obras de Pepetela, já que se trata de vinte anos posteriores aos fatos ali narrados e do próprio período de criação da novela (evidência ao olhar histórico que Pepetela costuma abordar em suas narrativas), e da localidade ser a mesma retratada em Muana Puó (1969), cuja significância aponta para a cidade do sonho, para a utopia do futuro.
A novela segue com os depoimentos do pseudo-poeta e parasita Tico, de um Primeiro Oficial do governo, com cartas, depoimentos gravados, recortes de jornal, actas de reuniões, relatórios, ofícios burocráticos, peças de teatro e até um diário de uma adolescente, cujas confissões intercalam cada depoimento ou fragmento organizados pelo "autor". É justamente através desse diário que o nome do cão é revelado ao leitor, Lucarpa.
Por sua vez, o cão comporta-se de forma idêntica a cada novo capítulo: aparece de súbito na vida de cada personagem e depois desaparece provocando reações diferentes. Porém, todos os personagens revelam insatisfação pela fuga do cão. Ele é o catalisador e o responsável pelas estórias dessas personagens. A recusa do statuos quo da narrativa pelas constantes fugas do animal é paralela, desde o início da novela, à sua antipatia e ao seu combate com a planta Buganvília.
A narrativa é constantemente cortada por propostas alternativas à sua linearidade e organização, como ocorre, por exemplo, com as duas versões finais da novela, as quais podem representar uma recusa à visão uniforme do mundo e à sua face instituída.
A presença dos múltiplos narradores e de suas diversas funções sócio-políticas representa o microcosmo da cidade de Luanda em um determinado período de crise. Na altura do lançamento da novela em 1985, ela foi considerada fundamentalmente de crítica jornalística.
Em O cão e os caluandas Pepetela retoma seu questionamento aos projetos de "nação angolana" e de "unidade nacional", os quais já havia abordado em seu romance anterior Mayombe (1980). O novelista aproveita também para apresentar denúncias à burocracia, à corrupção, ao tribalismo já intrínsecos na estruturação desse jovem país recém-independente. Tais denúncias são perceptíveis em todos os depoimentos, sendo mais emblemáticos nos seguintes segmentos: "O primeiro Oficial", "O mal é da televisão", "Lição de economia política", "Regressados", "Que raiva!", "Entre judeus", "Luanda assim, nossa"."

O texto acima foi escrito por Renata Martins nesse site. Se você se interessou, baixe o livro clicando aí embaixo.

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