Hoje, enquanto preparava algumas propostas de redação para usar em minhas aulas, iniciei uma conversa com Moacyr Scliar. Conversas assim me fazem bem. Meus escritores favoritos vivem fazendo isso. Alertam-me sobre os riscos que envolvem os adolescentes com quem trabalho, com quem convivo. Convido você para ler parte dessa conversa que tive sob a forma de uma crônica. Boa leitura.
O Ursinho, não.
Um dia depois que a menina completou 10 anos, a mãe desconfiou de alguma coisa e resolveu levá-la ao médico. Abraçada ao urso de pelúcia que tinha ganho de aniversário — um ursinho barato; a mãe, faxineira, não tinha dinheiro para presentes sofisticados — a garota se recusava a ir. Finalmente, e depois de levar uns trancos, concordou.
Com uma condição: — O ursinho tem de ir comigo. Ele é o meu filho querido. Foram ao posto de saúde. O médico não teve a menor dificuldade em fazer o diagnóstico: a garota estava com três meses de gravidez. A mãe ouviu a notícia em silêncio. No fundo, não esperava outra coisa. Essa havia sido também a sua história e a história de suas irmãs e de muitas outras mulheres pobres. Limitou-se a pegar a garota pela mão e levou-a para fora.
Sentaram num banco da praça, em frente ao posto de saúde, e ali ficaram algum tempo, a mulher quieta, a menina embalando o ursinho de pelúcia e cantando baixinho. Finalmente, a inevitável pergunta: — Quem foi? A garota disse um nome qualquer. Provavelmente era um dos muitos garotos da vila onde moravam. Chance de assumir a paternidade? Nenhuma. Tudo com ela, a mãe. E foi o que disse à menina:— Você vai ter esse filho, e eu vou criar ele como se fosse seu irmãozinho. Você entendeu? A garota fez que sim, com a cabeça. — E você vai ajudar? Nova afirmativa. E aí ela fitou a mãe, os olhos cheios de lágrimas:
— Mas o ursinho eu não dou pra ele, mãe. O ursinho é só meu. É o meu filhinho, ninguém me tira.
— Está bem, disse a mãe. O ursinho é só seu. Levantaram-se, foram para casa, a menina sempre abraçada ao ursinho. Que exibia o eterno e fixo sorriso dos bichos de pelúcia.
Você pode conferir mais conversas como essa no livro “O imaginário cotidiano”.
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