De santa, só a cara mesmo
Poderia iniciar este post com um texto meu, mas isso faria qualquer outra coisa perder a graça. Isso porque vocês rolariam de rir com tamanha parvoíce. Isso porque concordo com o João Ubaldo. Tem coisas que não devem ser mostradas. Interessante é saber que alguns passam mais de uma década nos bancos escolares, mas não aprendem a escrever, muito menos entender poesia. Outros acham que qualquer exercício de criatividade vale na hora do exame. Para facilitar esse trabalho é que estou aqui e começo hoje a explicar os textos dos maiores poetas da Língua Portuguesa. O texto de hoje foi escrito por Alvarez de Azevedo e é propício para os enamorados na véspera do dia dos namorados.
Caro leitor, nunca mais você pensará que para escrever poesia é preciso falar de temas sublimes, transcendentes. Seja uma cárie da qual você cuida como se fosse um animal de estimação, seja um final de tarde no trânsito como os paulistanos hoje, tudo pode virar poesia. Veja só o texto em questão:
Namoro a Cavalo
Viram? Um rapaz gasta uma nota com umazinha aí, vai até a casa dela, longe pra cacete, toma uma banho de lama, mas continua, crente de que ela ficará feliz ao vê-lo. Ela o despreza porque ele está sujo de barro. O cavalo, assustado com uma janela batida com força, assusta, pula, derruma o rapaz, que rasga a calça no tombo e, todo sujo de sangue vai embora lamentando o dinheiro gasto com a fantasia sexual que tinha em mente.
Eu moro em Catumbi. Mas a desgraçaComentário: O cara diz que gosta de uma tal aí, mas considera uma desgraça o fato dela morar tão longe de onde ele mora.
Que rege minha vida malfadada,
Pôs lá no fim da rua do Catete
A minha Dulcinéia namorada.
Alugo (três mil-réis) por uma tardeComentário: A desgraçada começou a dar gasto. Explorado por algum esperto, nosso galante gasta uma nota para usar por uma mísera tarde um cavalo. Alguém, vendo o desespero do eu-lírico para ver a namoradinha e, quem sabe, tirar o atraso, age de má-fé com o claro objetivo de lesar. Nosso rapaz gasta todo o dinheiro ganho com o cavalo e flores. Plagia algum verso famoso numa cartinha... O pior é que ele é um desgraçado dum tímido. Daqueles que a menina se esfrega, doida pra uma atracadinha, mas ele fica atônito diante da brancura das coxas que ela deixa à mostra propositalmente. Até casamento ele proporia, mas ela quer mesmo é sacanagem. Ele, no entanto, é um p%$# dum tímido.
Um cavalo de trote (que esparrela!)
Só para erguer meus olhos suspirando
À minha namorada na janela...
Todo o meu ordenado vai-se em flores
E em lindas folhas de papel bordado,
Onde eu escrevo trêmulo, amoroso,
Algum verso bonito... mas furtado...
Morro pela menina, junto dela
Nem ouso suspirar de acanhamento...
Se ela quisesse eu acabava a história
Como toda a Comédia- em casamento...
Ontem tinha chovido... Que desgraça!Comentário: Se não bastasse o fato dele tremer quando ela está ao lado dele, o cara, a caminho da casa dela, cheio de tesão, toma um banho de lama quando uma carroça faz espirrar em sua roupa festiva o barro resultante de uma chuva naquela tarde.
Eu ia a trote inglês ardendo em chama,
Mas lá vai senão quando uma carroça
Minhas roupas tafues encheu de lama...
Eu não desanimei! Se Dom QuixoteComentário: Disposto a dar "umazinha", mesmo sujo de barro, ele resolve ir até a casa dela. Comparando-se a Dom Quixote, ele segue. Passando em frente ao sobrado em que ela morava, quando ela o vê todo sujo de barro, simplesmente bate a janela na cara dele. O cavalo, bicho ignorante dos diabos, se assusta, pula e derruba o rapaz, que cai com as pernas pro ar sobre a calçada. Ferrado da vida, resolve ir embora todo ensanguentado.
No Rossinante erguendo a larga espada
Nunca voltou de medo, eu, mais valente,
Fui mesmo sujo ver a namorada...
Mas eis que no passar pelo sobrado,
Onde habita nas lojas minha bela,
Por ver-me tão lodoso ela irritada
Bateu-me sobre as ventas a janela...
O cavalo ignorante de namoros
Entre dentes, tomou a bofetada,
Arrepia-se, pula, e dá-me um tombo
Com pernas para o ar, sobre a calçada...
Dei ao diabo os namoros. Escovado
Meu chapéu que sofrera no pagode,
Dei de pernas corrido e cabisbaixo
E berrando de raiva como um bode.
Circunstância agravante. A calça inglesa
Rasgou-se no cair, de meio a meio,
O sangue pelas ventas me corria
Em paga do amoroso devaneio!...
Viram? Um rapaz gasta uma nota com umazinha aí, vai até a casa dela, longe pra cacete, toma uma banho de lama, mas continua, crente de que ela ficará feliz ao vê-lo. Ela o despreza porque ele está sujo de barro. O cavalo, assustado com uma janela batida com força, assusta, pula, derruma o rapaz, que rasga a calça no tombo e, todo sujo de sangue vai embora lamentando o dinheiro gasto com a fantasia sexual que tinha em mente.
2 comentários
Eu escrevo poemas sobre a minha eterna depressão e até brinco com isso. Escrever uma poesia é ter a liberdade de escrever o que vier na mente, seja algo abstrato ou concreto.
ReplySeus comentários na poesia foram impagáveis!!
É um bom estímulo. A época em que fui mais frutífero literariamente é a em que estava na faculdade. Apesar de estar em contato com a teoria, estava mais desapegado dos pudores. Valeu pelo comentário, amigo.
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