Trechos de um longo diálogo


Há algum tempo, conversando com uma amiga, discutíamos sobre modalidade, sobre erros, adequação... Bem, a conversa foi essa:
"Imagine, Andreia, a seguinte situação: você convida uma amiga para passar um dia na praia. Ela aceita. "São Pedro" colabora e a manhã está fantástica! Vocês descem a serra e, quando chegam, sua amiga, feliz da vida, começa a tirar da mala a roupa que trouxera especialmente para aquela ocasião:... o vestido preto que custara uma fortuna naquela loja enorme e cara. Você ri, afinal, ela é brincalhona, mesmo! Nota, porém, que ela tira um colorido estojo de maquiagem. Você já não ri mais. Por fim, se desespera quando percebe que sai de dentro da mala um maravilhoso salto... agulha!
Você, meio gaguejante, diz que talvez aquela roupa seja um pouco... Ela não espera: é a melhor roupa que tem, a mais bonita, a mais cara...
Pois é, Andreia. É claro que o exemplo acima é exagerado, mas mostra um conceito que se aplica plenamente à questão linguística: a adequação ao contexto.
É errado usar longo negro e salto agulha? Olhando de forma isolada, obviamente não. Mas para ir à praia?! É absurdo...
Muitas pessoas cometem um engano semelhante quando usam o português, ou seja, simplesmente se esquecem de observar o contexto em que estão inserindo a comunicação.
Foge-se ao padrão culto da língua, por exemplo, quando se começa uma frase com o pronome "me". Mas observar de forma isolada essa ocorrência não diz tudo. Há que se observar a situação. Em uma carta formal ou numa entrevista para um emprego, a circustância exige que você mostre domínio do padrão escolarizado da língua, logo, uma construção assim é inaceitável; por outro lado, naquela conversa animada com sua prima ao telefone, certamente a tensão linguística é menor e você pode ser mais flexível.
Naturalmente, flexibilidade não é argumento para se abandonar o estudo do português - ao contrário, num mundo onde o acesso a contextos linguísticos diversos está cada vez mais facilitado, dominar a maior quantidade possível de modalidades da língua é primordial.
Erro de português, portanto, não significa somente infringir as regras do padrão culto - é algo mais amplo. Envolve o universo social, político, educacional e regional dos falantes. Da mesma forma, saber português não quer dizer decorar a gramática e o dicionário.
Saber português, hoje, é ser poliglota dentro da própria língua. É possuir uma bagagem linguística que permita a você comunicar-se com aquele seu avô lá da roça, que nunca foi à escola, compreendendo-o e fazendo-se compreender; é conseguir redigir um bom texto no vestibular ou em uma entrevista para emprego; é não se sentir intimidado quando tiver de se comunicar com um grupo de vários níveis sociais e de escolaridade. Enfim, "erro" é achar que a modalidade linguística de sua preferência - seja a gíria, seja o nível fomal ou qualquer outro - é o único e o melhor. E quem erra fecha as portas para o mundo mais fascinante a que uma pessoa pode ter acesso - o da comunicação."
Este texto é resultado de muitas leituras, algumas linhas de cópia e claras referências ao professor Sírio Possenti.

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