A obra "A Paixão Segundo G.H.", escrita em 1964, é um mergulho do interior da personagem-narradora, e não há propriamente um enredo. G.H. busca através da introspecção radical, sua identidade e as razões de viver, sentir e amar. A obra nem começa nem termina; ela apenas continua. Tudo começa quando a narradora-personagem do romance está em seu apartamento tomando café, como faz todos os dias. Dirige-se ao quarto da empregada, que acabara de deixar o emprego. No local, vê, subitamente, uma barata saindo de um armário. Este evento provoca-lhe uma náusea impressionante, mas ao mesmo tempo é o motivador de uma longa e difícil avaliação de sua própria existência. A visão da barata é o seu momento de iluminação após o qual já não é a mesma, já não é a criatura alienada que tomava café distraidamente em seu apartamento. Nesse momento, a personagem deflagra-se com a consciência da solidão, tanto dela, quanto da barata. O nojo pelo inseto desafia-lhe assustadoramente: é preciso que ela se aproxime da barata, toque na barata, e até prove o sabor da barata, caso conseguisse... Tudo isso para que pudesse regressar ao seu estado de um ser primitivo, selvagem. G.H. precisa passar pela experiência de provar o gosto do inseto. Através da "provação", estaria fazendo uma reviravolta em seu mundo condicionado. A náusea, aqui tomada como "forma emocional violenta da angústia", é o momento que antecede a revelação e resulta da dolorosa sensação da fragilidade da condição humana. A Paixão Segundo de G.H., pode ser, biblicamente, interpretada como sofrimento aludindo à Paixão de Cristo, narrada no evangelho por Mateus, Marcos, Lucas e João.
Muita gente diz que é este o maior livro de Clarice Lispector. Há quem ache que narrar o encontro entre uma mulher e uma barata seja banal demais fara tema de um livro. No entanto, é o desejo de encontrar o que resta do homem quando a linguagem se esgota é o que move, desde o início, a literatura de Clarice.Segundo o jornalista José Castello, "mesmo sem ser um livro de inspiração religiosa, G.H. tem, ainda, um aspecto epifânico. Ao degustar a pasta branca que escorre da barata morta, a protagonista comunga com o real e ali o divino - a força impessoal que nos move - se manifesta. E só depois desse ato, que desarruma toda a visão civilizada, G.H. pode enfim se reconstruir." Ainda sobre o livro, o escritor argentino Ricardo Piglia disse certa vez que "toda a literatura pode ser reduzida a dois gêneros fundamentais: as narrativas de amor e as narrativas de mistério. Em G.H., essas duas claves básicas da ficção se entrelaçam. Pois é justamente a mistura letal de amor e mistério que chamamos de paixão."
Li este livro quando ainda fazia meu curso universitário. Naquela época, as viagens entre o trabalho e a faculdade eram "demoradas" e o tempo passava bem mais rápido se estivesse bem acompanhado. Recordo-me que fiquei quase uma semana remoendo o capítulo em que é narrado o encontro que é a espinha do romance. Indico a leitura, pois fez parte de minha formação como leitor, portanto, pode fazer parte da sua. Baixe o livro clicando abaixo.
P.s.: livro baixado no 4shared.
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